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Corrupção ainda ronda a Petrobras
08/03/2019 15:49 em Política

Apesar de a petroleira alegar que está livre da Lava Jato, para pessoas próximas será difícil transformar a cultura da empresa

 

Cinco anos após procuradores brasileiros terem exposto um gigantesco esquema de propinas por contratos na Petrobras, a empresa diz estar livre da corrupção. A companhia veiculou anúncios na TV para divulgar a linha direta de denúncias e o departamento de transparência e conformidade criado após o escândalo que danificou a gigante do petróleo, levou a economia brasileira à recessão e prendeu um ex-presidente.

 

No final de novembro, a Petrobras encerrou os trabalhos de uma comissão de investigação constituída em 2014 para acabar com o esquema revelado pela Operação Lva Jato, o qual incluía acordos com autoridades.

 

Apesar disso, entrevistas com seis pessoas internadas do empenho da empresa para conter a corrupção, inclusive o ex-diretor de Governança e Conformidade, João Elek Jr., montaram que a organização ainda luta para erradicar más práticas na empresa.

 

Segundo as fontes, a Petrobras fortaleceu significativamente com processos de vigilância interna. Uma série de reformulações organizacionais certamente diminuiu os níveis de corrupção.

 

As vulnerabilidades da empresa, no entanto, foram trazidas à mostra em dezembro, com as acusações contra seis antigos funcionários denunciados por recebimento de propinas pela recente fase da operação, focada em irregularidades na divisão de trading da petroleira.

 

Sinais de problemas nessa unidade surgiram há anos, mas a Petrobras não agiu rapidamente para desvendar as atividades suspeitas. Cinco dos funcionários indiciados em dezembro já haviam deixado a empresa quando foram denunciados.

 

O sexto, um operador de petróleo baseado em Houston, Rodrigo Berkowitz, continuava na folha de pagamento no momento em que foi alvo de um mandado de prisão, em 5 de dezembro. Ele foi demitido no mesmo dia. O suposto esquema pode ter continuado até o esse desligamento, declarou à época o delegado Felipe Pace, da Polícia Federal.

 

Berkowitz não respondeu a pedidos por comentários. Ele continua nos Estados Unidos, onde coopera com autoridades norte-americanas nas investigações sobre suposto esquema no comércio de petróleo, afirmaram pessoas a par do assunto.

 

A Petrobras foi alertada para potenciais problemas em operações comerciais desde 2014, após um delator revelar que a gigante da energia pagava por aquisições de petróleo. O suposto esquema também foi citado por dois ex-executivos da empresa e um ex-senador, presos e dentro de acordos de delação com procuradores.

 

Segundo Elek e outros, a pequena unidade de investigações internas, parte do departamento de conformidade (também conhecido como departamento de compliance), enfrentou uma enorme carga de trabalho para ajudar as autoridades a perseguirem alvos conhecidos e de alto perfil em outras áreas da empresa. Não havia equipe suficiente para fortalecer determinadas áreas da divisão comercial.

 

Os obstáculos burocráticos para a demissão de qualquer funcionário da estatal eram tão grandes que a equipe de conformidade, em alguns casos, deixou para que as autoridades reunissem provas necessárias de irregularidades.

 

De forma geral, a difundida indiferença - e hostilidade total - demonstrada pelos funcionários da Petrobras aos pedidos da equipe de conformidade por documentos e outras informações prejudicou seus esforços, afirmaram as fontes. Os seis entrevistados estiveram diretamente envolvidos com formulação ou implementação dos programas de conformidade da Petrobras nos últimos anos.

 

"Houve uma grande resistência cultural" aos inquéritos de corrupção, disse Elek, que comandou o departamento de Governança e Conformidade da Petrobras de janeiro de 2015 a maio de 2018. Ex-executivo da AT&T, Elek descreveu a saída da petroleira como amigável e declarou não ter expectativa de ocupar o posto por um prazo longo.

 

Em um comunicado detalhado, a Petrobras negou que investigadores de conformidade tenham enfrentado obstáculos internos. "É errado dizer que, desde o começo, o diretor de Governança e Conformidade tenha encontrado resistência", disse a empresa.

 

"Não há absolutamente nenhuma resistência interna a respeito da obtenção de documentos, de quaisquer tipos, necessários para investigações internas", completou.

 

A empresa afirmou: a razão para não ter derrubado o esquema de propinas na área de trading de petróleo e derivados foi a falta de acesso a muitos recursos reservados às autoridades, como escutas telefônicas e acesso a contas bancárias para seguir o caminho do dinheiro das propinas.

 

Segundo procuradores, ao menos entre 2011 e 2014, Berkowitz e outros aceitaram R$ 31 milhões em propinas de intermediários ligados a algumas das maiores empresas de negociação de commodities do mundo, inclusive as europeias Vitol, Glencore e Trafigura.

 

Em troca das propinas, as empresas de comércio receberam contratos de petróleo a preços vantajosos, de acordo com as autoridades.

 

A Petrobras tem se colocado como vítima de esquemas ilegais perpetrados por alguns informantes desonestos em conluio com contratantes e políticos. A petroleira minimizou o significado das acusações. “São relacionadas a supostas propinas pagas anos atrás”, disse.

 

"A última fase não envolveu executivos de alto escalão, políticos ou grandes empreiteiras", declarou a Petrobras em comunicado.

 

Os procuradores não compartilham dessa opinião. Eles alegam estar apenas no início de revelar uma complexa rede de pagamentos e participantes. O que sabem no momento é apenas a "ponta do iceberg", disse o procurador Athayde Ribeiro da Costa.

 

Assuntos internos

 

O escândalo revelado pela Operação Lava Jato é um esquema de propinas anabolizado. Fornecedores formavam cartel para dividir os serviços oferecidos à gigante estatal – os preços dos contratos foram ampliados para esconder seus pagamentos para colaboradores da Petrobras e políticos. A operação ilícita ocorreu por ao menos dez anos antes de a estatal ser desmascarada pelos procuradores brasileiros.

 

As investigações ajudaram a aumentar o apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, e levaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão no ano passado, por corrupção. Alguns empresários também foram para a cadeia, entre eles Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht, maior empreiteira da América Latina.

 

Atualmente na 60ª fase, a investigação espalhou-se para quase todos os cantos das operações da Petrobras. Segundo Elek, uma figura estudiosa, de óculos, com passagem por diversas indústrias, de madeira a telecomunicações, a Petrobras deu passos significativos para prevenir uma repetição.

 

Ele afirmou: a verificação de fornecedores se tornou muito mais severa, agora há melhor acompanhamento dos orçamentos e gastos dos projetos. Elek se diz orgulhoso das conquistas da equipe e outros familiarizados aos esforços.

 

Transformar a cultura da Petrobras em defesa da transparência, porém, será tarefa de longo prazo, de acordo com as fontes, em condição de anonimato.

 

As investigações do time de conformidades são frequentemente atrasadas pela administração. Pedidos de arquivos que poderiam ser facilmente entregues, muitas vezes demoram semanas ou meses, disseram. Alguns chefes, informados da suspeita de irregularidades por parte de subordinados, se mostravam interessados em se proteger ao invés de descobrir a verdade, completaram as pessoas.

 

Em determinada situação, advogados externos, contratados pela Petrobras para supervisionarem os esforços de conformidade, entraram em contato com Elek para reclamar que um funcionário amplamente envolvido com esquemas de propinas na unidade de distribuição da Petrobras, a BR, não havia sido demitido. Elek disse aos advogados tentar concluir a demissão, mas havia muita burocracia. Elek não confirmou nem negou o incidente, mas declarou que a situação é consistente com os obstáculos enfrentados, devido leis trabalhistas que, à época, dificultavam a demissão de funcionários de empresas estatais.

 

A Petrobras afirmou em comunicado ter "tolerância zero" com corrupção e estar comprometida com a "interrupção imediata" de más condutas. Segundo Elek, o tamanho modesto da equipe de investigações internas também dificultou o trabalho de conformidade. Ele declarou ter começado apenas com dois subordinados na unidade de investigações em 2015 – o departamento chegou a ter cerca de 40 funcionários - todos de dentro da Petrobras, no momento de sua saída, em 2018. A expectativa era recrutar até 100 pessoas para lidar com a carga de trabalho, em uma empresa com mais de 60 mil empregados. Elek, porém, disse que trabalhadores qualificados eram constantemente barrados do time pelos administradores. Em 2017, o setor acumulava mais de 2 mil denúncias para apuração.

 

"É possível que o nome Berkowitz estivesse lá, em algum lugar", disse Elek em referência ao operador de petróleo preso recentemente.

 

A Petrobras apontou números muito maiores para o tamanho da unidade de investigações internas. A empresa afirmou ter contratado 78 pessoas até 2017 – esse número chegou a 164 empregados assistidos por mais de 180 conselheiros externos.

 

Descartando maças podres

 

A Petrobras enfatizou aprimoramento de seu programa de conformidade desde o início da Lava Jato, em 2014. A empresa também disse ter dado passos, no ano passado, para facilitar a punição a funcionários envolvidos em corrupção, fraude ou assédio.

 

A gigante reformulou um órgão interno de supervisão, que costumava se reportar ao diretor executivo. Atualmente conhecido como “Comitê Disciplinar”, o grupo composto por três pessoas tem dois membros independentes, incluindo um ex-procurador federal, Marcelo Zenkner. Ações de punição são reportadas diretamente ao conselho de administração.

 

Adriana Dantas, advogada formada em Georgetown com experiência significativa em investigações corporativas, e José Afonso Stefanelli, coordenador da comissão de ética daPetrobras, também são membros do comitê, de acordo com a empresa.

 

A Petrobras, contudo, ainda não mudou a estrutura do departamento de conformidade, ainda reportada ao CEO. Os riscos dessa estrutura foram ilustrados pelo primeiro chefe de Elek: Aldemir Bendine. O ex-presidente-executivo cumpre uma sentença de 11 anos de prisão, após ser condenado, em 2018, por embolsar cerca de US$ 1 milhão em propinas de uma empreiteira no escândalo da Lava Jato.

 

Bendine era amplamente conhecido por desdenhar do comitê de conformidade e nunca esteve presente em reuniões, afirmou uma pessoa com conhecimento direto da situação.

 

O advogado de Bendine, Alberto Toron, disse que o ex-executivo estava comprometido com a estrutura de compliance e não teve problemas em sua gestão na Petrobras, mas sim no Banco do Brasil. Entretanto, a sentença de condenação cita afirmações de procuradores de recebimento de propinas durante o período em que liderava a Petrobras, apesar de a solicitação do valor ter sido antes.

 

Elek disse não ter problemas pessoais com Bendine, mas sua posição como diretor de conformidade criou uma tensão natural com o ex-CEO.

 

Em um comunicado, a Petrobras defendeu sua cadeia de comando. O diretor de conformidade tem acesso ao conselho "sempre que necessário" e só pode ser demitido por votação unânime do colegiado.

 

Fonte - Band

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