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Viúva vende livros da Chape para manter família e planeja deixar Chapecó: "Ninguém está nem aí"
Esporte
Publicado em 28/09/2017

Ulrike Ohlweiler, viúva de Anderson Paixão, busca alternativa para garantir a escola dos filhos e relata ar sensação de abandono: "Não aguento mais ficar aqui"; em comunicado, Chape se diz à disposição para o diálogo com os familiares das vítimas da tragédia

Dez meses se passaram desde a queda do avião que transportava a delegação da Chapecoense para a final da Copa Sul-Americana, mas muitas feridas ainda estão abertas. Principalmente em quem perdeu familiares na tragédia. Um dos exemplos é o de Ulrike Ohlweiler, viúva de Anderson Paixão, preparador físico da Chape morto no acidente. A educadora física e quase formanda em nutrição vende livros para garantir o pagamento da mensalidade dos filhos.

Em Chapecó desde quando o marido passou a trabalhar no clube, Uli, como é conhecida pelos mais próximos, hesitou em deixar a cidade. No entanto, o desenrolar da história após a tragédia a fez mudar de ideia.

Mãe de Johan e Jordi, Uli conta que até mesmo os filhos aceitaram a ideia da mudança de cidade, apesar das amizades conquistadas. O ponto chave para a tomada de decisão da família Paixão-Ohlweiler foi o jogo da Recopa Sul-Americana, entre Chapecoense e Atlético Nacional. A repercussão do duelo e a movimentação em Chapecó mexeram com todos.

- A gente vai embora, vamos para Florianópolis. Primeiro eles queriam ficar, mas quando teve o jogo da Recopa eles ficaram muito chateados. Eles viram que a cidade inteira estava em função daquilo e ninguém está nem aí pela gente. Aquela coisa do amor muito bonito foi para o chão e eles falaram que não queriam ficar. Embora eles tenham muitos amigos aqui, que são presentes, apoiam, mas a cidade…

Os filhos são mesmo a principal preocupação de Uli. Planejada com as despesas até o final do ano com a ajuda de amigos e da escola onde estudam os dois meninos, ela conta que a meta agora é garantir a educação de Johan e Jordi em 2018.

- O foco é esse, pagar a escola dos guris, que é o gasto mais imediato que temos. Me organizei para esse ano, por isso o ano que vem me preocupa. Pensei que esse ano a gente receberia alguma coisa do seguro da LaMia, mas não sei se isso vai acontecer. Estou tentando economizar de todas as formas, para ver se eu consigo mais um tempo. O Anderson recebeu o seguro de R$40 mil, R$20 mil para mim e R$20 mil para os filhos (o valor destinado aos filhos fica bloqueado até eles completarem 18 anos).

Uli recebeu 250 exemplares do escritor Marco Aurélio Nedel. Em uma rede social, ao anunciar a venda dos livros, a nutricionista relembrou o momento em que o marido concedeu entrevista ao autor.

- Lembro do Anderson saindo de casa para dar a entrevista para o autor deste livro. Mais uma vez ele estava feliz. Dessa vez, por fazer parte de um livro que contava a história recente da Chape, este time que ele tanto prezava. Ele tinha muito orgulho de fazer parte da evolução do clube e de sua história - diz a publicação

- Ele nos procurou e falou que a intenção dele era nos repassar uma parte dos valores da venda. Mas como ele não tinha conseguido vender, ele decidiu nos repassar os livros para a gente poder vender. Ele começou a escrever antes (do acidente) e disse que não tem intenção de ganhar dinheiro com tragédia dos outros. Ele quer nos ajudar. Ele falou que vai fazer essa tiragem e não vai fazer novamente.

Dedicatória do livro para Ulrike e seus filhos com Anderson Paixão (Foto: Eduardo Florão)

As vendas do livro ainda não são muitas. Cerca de 70 exemplares foram comercializados. Por outro lado, Uli destaca a ajuda de muitas pessoas que se disponibilizaram em ajudar na empreitada.

- Eu vendi para as mães na escola, muitos pais me pedem, muitas mães pegam para revender. Eu deixo em alguns lugares também, na lavanderia de uma amiga, no posto da outra, na loja de móveis, na loja de roupa. Pessoas que disseram para deixar. Eu tenho a impressão de que não vende muito porque ele já tinha em vários lugares, então as pessoas já tinham comprado.

RELAÇÃO COM A CHAPECOENSE

Além da dificuldade de lidar emocionalmente com a perda do marido, a viúva de Paixão também fala sobre o afastamento com a Chapecoense, clube que, assim como o marido, aprendeu a respeitar. Ela relembra com carinho o ambiente criado pelos profissionais e dirigentes mortos na tragédia, mas explica que esperava uma retribuição por toda a dedicação de Anderson ao clube.

- São duas coisas que tem que batalhar emocionalmente. Uma é a perda, que não tem o que fazer, é um fato que tenho que lidar, é assim e ponto. A outra coisa é o abandono. O Anderson dedicou a vida dele, ele fazia tudo que podia por esse clube, da melhor forma que podia. O mínimo que eu esperava era que a contrapartida também acontecesse e não aconteceu. É um desgaste emocional, porque vai lá e bate, essa coisa... e isso vai dando um degaste - desabafa.

Anderson Paixão e com os filhos (Foto: Arquivo pessoal)

Outra fator que incomoda Ulrike é a atitude de outras pessoas em relação à situação vivida pela família. Ela relata que isto também contribuiu para a tomada de decisão em deixar a cidade.

- Aí você ouve as pessoas falando o que elas não conhecem. Você não tem noção a quantidade de vezes que já ouvi: “Ah, mas vocês estão bem financeiramente”. Uma que ninguém queria estar bem financeiramente (nestas condições) e outra que a gente não está. Por isso quero ir embora daqui, não aguento mais ficar aqui. Eu amo os amigos que tenho aqui, mas é uma coisa que vai minando. Tem que respirar fundo, pensar em continuar e resolver.

A família de Uli mora em um apartamento alugado no centro, graças à ajuda dos pais de colegas das crianças que facilitaram a negociação do contrato. Com parte dos valores recebidos de seguro bloqueados, o cartão de crédito que estava no nome do esposo e a demora com a regularização do inventário, ela ressalta a ajuda no acordo para o pagamento de um imóvel comprado antes do acidente.

- Compramos um apartamento em Florianópolis (antes do acidente) e tenho que conseguir pagar de alguma maneira. Lá eles (construtora) aceitaram negociar. Fiquei oito meses sem pagar e eles aceitaram o segundo carro no negócio, para quando liberar o inventário eu conseguir vender alguma coisa e pagar. Todas as coisas ao redor ajudaram, menos a Chapecoense. E isso dá uma coisa ruim, estou a ponto de explodir.

Enquanto ainda tenta superar a rotina sem o esposo, Uli também aguarda os desdobramentos em relação aos seguros da aeronave boliviana. Sem respostas, no entanto, segue em solo chapecoense na batalha para manter o sustento dos filhos, enquanto planeja a troca de cidades.

Contraponto

Após a publicação da reportagem, a Chapecoense encaminhou uma nota através da assessoria de imprensa do clube e se disse aberta ao diálogo com os familiares das vítimas da tragédia aérea de novembro do ano passado. (Veja abaixo a íntegra da nota)

A Associação Chapecoense de Futebol, através de sua Assessoria de Imprensa, vem a público enaltecer, em primeiro lugar, o respeito às manifestações e aos sentimentos de familiares perante a ausência dos seus entes queridos. O clube esclarece, no entanto, que está atento às questões jurídicas envolvidas e tem cumprido as obrigações da Lei. Além disso, a Chapecoense segue aberta ao diálogo com todos os representantes das vítimas e trabalhando para atender as demandas das famílias, por acreditar ser este o melhor caminho na busca por soluções conjuntas a curto, médio e longo prazo.

Fonte- Globo.com

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