Conversas de Moro com procuradores e ação de hacker serão investigadas
PF vai apurar ataque, enquanto corregedoria abre procedimento sobre atuação de Dellagnol
BRASÍLIA — Um dia após a divulgação de conversas entre o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, e o então juiz e hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, o conteúdo e a interceptação das mensagens trocadas serão investigados. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) instaurou reclamação disciplinar contra Dallagnol, e a Polícia Federal vai apurar, no mesmo inquérito que tenta identificar os invasores do celular de Moro, como foram obtidas as mensagens publicadas no domingo pelo site The Intercept.
A reportagem mostrou conversas entre o procurador e Moro falando sobre ações da operação Lava-Jato . Os citados nos vazamentos voltaram a negar irregularidades e acusaram a forma ilegal como os textos foram obtidos. Em Manaus para reuniões com secretários de segurança pública, Moro disse que o vazamento de mensagens de seu celular configura crime .
— Não vi nada de mais ali nas mensagens. O que há ali é uma invasão criminosa de celulares de procuradores, não é? Pra mim, isso é um fato bastante grave, ter havido essa invasão e divulgação. E, quanto ao conteúdo, no que diz respeito à minha pessoa, não vi nada de mais — afirmou Moro, acrescentando: — Veja, os juízes conversam com procuradores, juízes conversam com advogados, juízes conversam com policiais, isso é algo normal.
Já o corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, instaurou o procedimento sobre Dallagnol após uma representação feita por conselheiros do CNMP. Ele determinou que Dallagnol, em nome da força-tarefa da Lava-Jato, preste esclarecimentos por escrito em dez dias sobre as conversas. Em seguida, decidirá se é o caso de arquivar o procedimento ou convertê-lo em um processo disciplinar.
Dentre as punições previstas estão, inclusive, a aposentadoria compulsória. Em seu despacho, Rochadel cita que os diálogos entre os procuradores podem representar “desvio de conduta”. A investigação do CNMP não tem efeito contra Moro.
Bolsonaro se manifesta
Segundo o Jornal Nacional, o secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, disse que o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem à noite: “Nós confiamos irrestritamente no min istro Moro”.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, atribuiu o vazamento das mensagens a um interesse de prejudicar a tramitação da reforma da Previdência.
Em um dos trechos vazados, de 31 de agosto de 2016, Moro pergunta, segundo o Intercept, se a Lava-Jato não estava “muito tempo sem operação”, após um mês sem ação nas ruas. Dallagnol responde que sim. Sobre essa conversa, Moro disse ontem que são fatos normais.
Olha, se houve alguma coisa nesse sentido, são operações que já haviam sido autorizadas. É uma questão de logística de ser discutido com a polícia de como fazer ou não fazer. Isto é absolutamente normal — afirmou.
As interceptações de mensagens mostram também que o então juiz Moro indica a Dallagnol, em 7 de dezembro de 2015, uma fonte que teria informações sobre propriedades de um dos filhos do ex-presidente Lula, condenado à prisão por Moro e cuja culpa no caso do tríplex foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça, que apenas alteraram a dosimetria da pena. Dallagnol diz a Moro, segundo o Intercept, ter procurado a fonte. Como ela não quis falar, cogitou fazer intimação oficial com “base em notícia apócrifa”. Segundo o vazamento, Moro respondeu sobre a aparente sugestão de fabricar uma denúncia anônima: “Melhor formalizar”.
Em vídeo divulgado na segunda-feira, Dallagnol rechaçou as suspeitas de que teve o auxílio de Moro sem a equidistância que um juiz deve ter entre defesa e acusação.
— É normal que procuradores e advogados conversem com juiz, mesmo sem a presença da outra parte (...). A imparcialidade na Lava-Jato é confirmada por muitos fatos, centenas de pedidos feitos pelo MP foram negados pela Justiça, 54 pessoas acusadas pelo MP foram absolvidas pelo ex-juiz federal Sergio Moro — exemplificou Deltan Dallagnol, completando: — A Lava-Jato é contra a corrupção seja ela de quem for. Vamos continuar dispostos e disponíveis para prestar os esclarecimentos sobre nossos procedimentos a fim de manter a confiança da sociedade na nossa legitimidade de atuação.
No Congresso, parlamentares da oposição passaram a defender o afastamento de Moro do cargo e a criação de uma CPI para investigar o caso. Parlamentares do PT, PCdoB, PDT, PSOL e PSB já conversam sobre convocações de Moro e Dallagnol, além de integrantes do MP, para comparecer em comissões já existentes no Congresso.
Maia, Alcolumbre e Toffoli
Líderes do centrão, por outro lado, preferiram a cautela e evitaram pronunciamentos públicos, à espera de novos vazamentos prometidos pelo site. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiou uma viagem para São Paulo e conversou com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
Já os filhos de Bolsonaro que estão na política, Eduardo, Carlos e Flávio, minimizaram as conversas e atacaram a forma como as informações foram obtidas. Para Carlos, a imprensa quer “queimar o governo Bolsonaro e favorecer o sistema”. Eduardo disse que, no Brasil, a “vítima do crime é que tem que se explicar”, enquanto Flávio limitou-se a republicar nota oficial de Moro sobre “vazamento criminoso”.
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, divulgou mensagem para dizer que a integridade de Moro e sua devoção à pátria "estão acima de qualquer suspeita" :
"O desespero dos que dominaram o cenário econômico e político do Brasil, nas últimas décadas, levou seus integrantes a usar meios ilícitos para tentar provar que a Justiça os puniu injustamente!", disse.
Gustavo Maia, Jussara Soares, Aguirre Talento, Natália Portinari, Bruno Góes, Daniel Gullino e G1
10/06/2019 - 22:41 / Atualizado em 11/06/2019 - 07:38