Autuações por crimes como queimadas e desmate caem 23% neste ano na Amazônia Legal
Fiscais do Ibama aplicaram menos advertências e multas por infração contra flora até o fim de agosto. Eles proibiram o uso de 1.837 terrenos onde ocorreram infrações ambientais, 20 a mais do que no mesmo período do ano passado.
Fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicaram neste ano 23% menos advertências e multas por crimes contra a flora na Amazônia Legal. Flora é o conjunto de plantas de uma determinada região. Incêndios provocados pela ação humana ou desmate são crimes contra a flora, assim como a venda de madeira ilegal.
A queda foi verificada no período entre janeiro e agosto na comparação com o mesmo período de 2018. Nos primeiros oito meses deste ano, queimadas e alertas de desmatamento tiveram altas expressivas (veja detalhes abaixo).
Os dados são de um levantamento feito pelo G1 com base em informações do portal "Dados Abertos do Ibama". Veja os principais pontos do levantamento e da crise na Amazônia:
As autuações por crimes contra a flora caíram 23%, de 2.931 (em 2018) para 2.265 (em 2019), nos 9 estados que compõem a Amazônia Legal
Autuações de todos os tipos (crimes contra a fauna e o ecossistema, falta de licenciamento, entre outros) também caíram, de 4.127 (em 2018) para 3.801 (em 2019), recuo de 8%
Fiscais proibiram (embargaram) o uso de 1.837 áreas, 20 a mais que no ano passado
Servidores contam que os embargos não são respeitados e que o Ibama está enfraquecido na atual gestão
Cidades com mais embargos são as que tiveram mais desmatamento e fogo nos últimos 10 anos
Nasa aponta que 2019 foi o pior ano de queimadas na Amazônia brasileira desde 2010
Alertas de desmatamento no bioma subiram 203% de junho a agosto
Os dados analisados consideram os nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) que compõem a Amazônia Legal.
Fiscalizações do Ibama
O Ibama realiza fiscalizações a partir de denúncias, de determinações do Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (Pnapa) ou de alertas emitidos pelos sistemas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No ano, o órgão fez 22% menos fiscalizações do que o previsto, segundo "O Globo".
Quando realizadas, as fiscalizações podem resultar em autuações e embargos. As autuações, além de detalhar a irregularidade, determinam dois tipos possíveis de sanções: advertências ou multas. Nos embargos, os fiscais suspendem uma obra ou uma atividade realizada de forma irregular. A terra embargada não pode ser utilizada até que o caso seja julgado na Justiça.
O G1 chegou a uma possível explicação do que está por trás dos números através de depoimentos de servidores do Ibama, que falaram sob condição de anonimato. Eles apontam que há relação entre a queda no desempenho da fiscalização e o aumento das práticas ilegais.
Os servidores culpam o enfraquecimento do órgão dentro da atual gestão, afirmam que a fiscalização nos municípios prioritários "está paralisada" e explicam ainda que as autuações e os embargos não são levados a sério pelos fiscalizados.
"(...) De uns tempos para cá, os autuados recebem a autuação com indiferença, não se preocupam e continuam tranquilamente [as atividades ilegais] depois", diz um servidor do Ibama
Evolução dos embargos e autuações
Veja abaixo a evolução das notificações do Ibama:
Enquanto os embargos de janeiro a agosto estão em tendência de queda desde 2015, as autuações contra flora tiveram alta em 2016, chegando a 3.814 autos de infração. O recorde dos últimos dez anos foi em 2009, com 3.833 infrações registradas. Já os embargos tiveram seu recorde no período em 2013, com 2.762 áreas embargadas nos oito primeiros meses do ano.
Ataques ao bioma
A situação da floresta amazônica ganhou destaque neste ano após o crescimento dos alertas de desmatamento e dos focos de queimadas. As queimadas no bioma amazônico são, em sua maioria, reflexo de um processo de desmatamento, segundo levantamento da WWF-Brasil. Um a cada três focos de incêndio ocorreram em áreas que, até julho de 2018, ainda eram cobertas por floresta.
Cidades mais vulneráveis
As cidades que aparecem no topo do ranking dos alertas de desmatamento e de queimadas na Amazônia Legal também lideram a lista de locais onde infrações ambientais levaram a fiscalização federal a suspender o uso da terra.
Das 10 cidades com mais áreas embargadas desde 2008 nos estados que compõem a Amazônia Legal, nove estão na lista das que mais tiveram focos de queimadas de agosto de 2018 a agosto de 2019. Além disso, 8 delas também estão entre as que tiveram mais alertas de desmatamento.
Embargos do Ibama
O descumprimento ou violação de um embargo do Ibama é considerado crime contra o meio ambiente. O objetivo dos embargos, segundo o Ibama, é "paralisar a infração ambiental, prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo”.
Uma área embargada deve permanecer intocada até decisão judicial. No entanto, os dados do Inpe trazem indícios de que os embargos não estão sendo respeitados, já que as queimadas e o desmatamento prevalecem nos municípios onde há grande concentração de áreas paralisadas.
As 10 cidades com mais áreas embargadas pelo Ibama na Amazônia Legal concentram 17% dos alertas de queimadas emitidos pelo Inpe de agosto de 2018 a agosto de 2019. As mesmas 10 cidades reúnem também 27% dos alertas de desmatamento do Deter (Inpe) no período.
A base de dados do Ibama não detalha em todos os casos o motivo pelo qual a área foi embargada.
Servidores avaliam autuações e embargos
Segundo funcionários ativos e exonerados do Ibama, os dados mostram que o instituto realiza ações nos locais corretos, mas os embargos e autuações não são respeitados.
“Onde tem desmate é onde o Ibama atua”, diz um servidor do órgão que atua na área de fiscalização e pede para não ser identificado por medo de represálias.
Segundo o analista, sob a atual gestão do Ibama, os proprietários de terras embargadas têm respeitado menos as determinações das autuações ambientais. Para ele, são necessárias inovações e investimento para conseguir que a lei seja mesmo cumprida.
"A autorização para destruir equipamentos é uma medida que ajuda a tornar efetiva a fiscalização e interromper ou ao menos reduzir o ritmo de perda de floresta, especialmente em áreas que já foram embargadas. Outra medida que é eficaz, após o embargo, é a apreensão de gado", avalia.
Todas as cidades com maior número de alertas de desmatamento, focos de queimada e embargos constam também na lista de municípios prioritários para o combate ao desmatamento.
Essa lista foi instituída por decreto em 2007 e reúne 39 localidades que devem ser priorizadas nas ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento. Juntos, esses municípios correspondem historicamente a cerca de 45% a 50% da devastação na Amazônia Legal.
Um ex-funcionário do Ibama, que também prefere não ser identificado, diz que "está simplesmente congelada" a política de combate ao desmatamento nos municípios prioritários.
"O departamento que cuidava disso no ministério está desarticulado, o plano deixou de ser executado e os focos de calor e o desmatamento explodiram novamente nessas regiões” - analista ambiental, funcionário do Ibama
Por Patrícia Figueiredo, G1
14/09/2019 06h00 Atualizado há 3 horas