Trump pediu à Ucrânia para investigar filho de Biden, mostra transcrição de conversa
Em uma ligação telefônica realizada em 25 julho, o presidente dos EUA, Donald Trump, pediu ao presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, que investigasse se o democrata Joe Biden obstruiu investigações sobre seu filho.
O trecho da conversa foi revelado pela Casa Branca nesta quarta (25). "Biden se gabou de ter parado a promotoria, então, se você puder investigar... para mim, parece algo horrível", disse Trump, segundo o memorando.
Hunter Biden, -filho de Joe Biden, pré-candidato à Presidência e possível rival de Trump em 2020- é integrante do conselho de uma empresa de gás ucraniana.
Biden, que foi vice de Barack Obama por oito anos, atualmente também lidera a corrida democrata para ser o candidato do partido na eleição de 2020 —possivelmente para enfrentar o próprio Trump.
No início deste ano, uma autoridade ucraniana disse que não tinha evidências de irregularidades cometidas por Biden ou seu filho.
Trump disse a Zelenskiy que o procurador-geral dos EUA, William Barr, entraria em contato com ele sobre a reabertura da investigação na empresa em que Hunter Biden trabalha.
"Há muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden parou a promotoria, e muitas pessoas querem descobrir sobre isso, então tudo o que você puder fazer com o procurador-geral seria ótimo", disse o presidente americano.
Uma semana antes do telefonema, o presidente americano havia congelado uma ajuda de cerca de US$ 250 milhões (R$ 1,04 bilhão) para a Ucrânia. A oposição afirma que o republicano usou a verba para pressionar Zelenski a investigar o filho de Biden, o que a Casa Branca nega.
Em 11 de setembro, portanto após a conversa, a verba foi descongelada.
A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, anunciou nesta terça (24) a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Donald Trump em razão do telefonema.
"Isto é uma violação da Constituição americana", afirmou Pelosi ao anunciar a abertura do processo. "O presidente precisa ser responsabilizado. Ninguém está acima da lei", disse ela após um encontro com a bancada democrata, que tem maioria na Câmara.
Após a divulgação da conversa nesta quarta, Pelosi afirmou que o conteúdo da ligação confirma a necessidade do processo de impedimento. "A divulgação das notas da ligação pela Casa Branca confirma que o presidente se envolveu em um comportamento que prejudica a integridade de nossas eleições, a dignidade do cargo que ocupa e nossa segurança nacional", afirmou em comunicado.
Um agente de inteligência que ouviu a conversa de Trump com o líder ucraniano —um procedimento padrão nos Estados Unidos— alertou as autoridades de forma anônima que o presidente teria colocado em perigo a segurança nacional.
O Congresso foi automaticamente avisado do problema, mas não recebeu detalhes.
Com isso, os deputados fizeram duas requisições ao governo: que liberasse a transcrição das conversas do presidente com Zelenski —o Senado fez um pedido semelhante— e que permitisse que o agente que ouviu a ligação testemunhasse sobre o caso (ele ainda não teve o nome divulgado).
O início do confronto se deu enquanto Trump estava em Nova York para a sessão de abertura da Assembleia Geral da ONU, levando o presidente a atuar como um estadista global ao mesmo tempo que se defendia de seus inimigos em Washington.
O presidente Trump, ao comentar a transcrição recém-divulgada, insistiu que não houve pressão.
"Foi uma carta amigável", disse sobre o conteúdo tornado público nesta quarta. "Não houve pressão. Do jeito que vocês construíram aquela ligação, estava se encaminhando para ser uma ligação vinda do inferno."
O presidente qualificou a abertura do inquérito de impeachment como "a maior caça às bruxas da história americana".
"Só para você entender, é, provavelmente na história, mas na história americana", disse ele.
Na manhã desta quarta, antes da divulgação da transcrição da conversa, Zelenski, que está em Nova York para a Assembleia Geral da ONU, afirmou que a Ucrânia é um Estado independente e ninguém poderia pressioná-lo.
"A única pessoa que pode me pressionar é meu filho, que tem seis anos", afirmou o ucraniano.
A Ucrânia, hoje, trava uma guerra com a Rússia. O pacote temporariamente retido pelo governo Trump deveria ser investido em financiamento militar.
Até o anúncio desta terça, não estava claro se o mais recente escândalo em torno da conduta de Trump levaria Pelosi ou outros democratas importantes a concordar com o processo de impeachment.
O Comitê Judiciário da Câmara já vinha investigando se deveria recomendar um impeachment contra Trump por outros assuntos, mas, até então, Pelosi questionava a força desses casos.
Os defensores do impeachment mencionam repetidamente as revelações —incluindo diversos casos de possível obstrução da justiça por Trump, detalhados pela investigação da interferência da Rússia nas eleições de 2016.
DIFERENÇAS ENTRE OS PROCESSOS DE IMPEACHMENT
Nos Estados Unidos...
Cabe à Câmara, por maioria simples, dar ou não prosseguimento ao processo. A Casa, de domínio democrata, tem 435 representantes, dos quais 203 já se declararam a favor do impeachment.
Se passar pela Casa, o processo vai ao Senado, em julgamento supervisionado pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts.
O júri desse julgamento é composto pelos cem senadores americanos. São necessários 2/3 para tirar Trump do cargo, que seria assumido pelo vice Mike Pence.
A Constituição americana prevê a possibilidade de impeachment em caso de "traição, suborno ou outros crimes e contravenções". De acordo com a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, as atitudes de Trump configuram uma "quebra da Constituição".
Nunca um presidente dos EUA deixou o cargo por impeachment. Foram abertos processos contra Andrew Johnson (1868), Bill Clinton (1998) e Richard Nixon (1974).
... e no Brasil
O pedido pode ser apresentado na Câmara dos Deputados por qualquer cidadão, desde que apresente crime de responsabilidade (como improbidade administrativa); o presidente da Casa decide sobre o encaminhamento.
Caso seja acolhido, o pedido é analisado pelos deputados. São necessários 2/3 dos 513 parlamentares para que o processo prossiga.
Aprovado, o pedido vai ao Senado, onde precisa ser votado em até 180 dias, período em que o presidente fica afastado do cargo.
A votação no Senado tem sessão comandada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Também são necessários votos favoráveis de 2/3 da Casa (54) para que o impeachment ocorra.
Caso aprovado, o presidente perde o mandato e pode ficar inelegível por 8 anos; quem assume é o vice.
Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2015) já sofreram impeachment; Getúlio Vargas (1954), venceu o processo.
por Folhapress