Planalto vê ação contra Bivar como 'justa causa' para saída de aliados de Bolsonaro
Em busca de uma solução jurídica, o presidente Jair Bolsonaro pretende utilizar a operação desta terça-feira (15) da Polícia Federal em endereços ligados ao presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, como argumento de que há justa causa para que deputados aliados deixem o partido sem perder o mandato.
O laranjal do PSL, como ficou conhecido, foi revelado pela Folha de S.Paulo em uma série de publicações desde o início do ano. A PF abriu investigações após as reportagens, e o esquema deu início a uma crise na legenda e tem sido um dos elementos de desgaste entre o grupo de Bivar e o de Jair Bolsonaro, que também estuda como deixar o partido.
Como definiram auxiliares presidenciais, a investigação se tornou uma espécie de "bala de prata" que o presidente precisava para reforçar a crítica de que falta transparência da cúpula nacional da sigla na administração dos recursos do fundo partidário, o que, segundo assessores palacianos, deve ser explorado pela equipe jurídica de Bolsonaro.
Na mesma linha, deputados bolsonaristas comemoraram o timing da operação. Eles dizem que a deflagração enfraquece o grupo de Bivar, que se reuniria nesta terça-feira para decidir sobre a expulsão de membros do partido. Nas palavras de um parlamentar, o fato de o atingido ser Bivar avaliza a tese da justa causa.
Na semana passada, o presidente informou a advogados e deputados, que se reuniram com ele no Palácio do Planalto, que havia decidido deixar o PSL. Ele ressaltou, no entanto, que só oficializaria a decisão caso conseguisse viabilizar a migração para outra sigla de parlamentares bolsonaristas.
Desde então, a defesa de Bolsonaro tem avaliado e buscado argumentos que possam ser utilizados para encampar a tese. Uma ala da sigla defende desde a semana passada que o escândalo das candidaturas de laranjas do PSL seja apontado como justa causa para uma desfiliação.
A operação desta terça-feira faz parte, justamente, da investigação do esquema das candidaturas de laranja. Os mandados foram autorizados pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, atendendo pedidos da Polícia Federal e do Ministério Público. A casa de Bivar no Recife e a sede do partido estão entre os alvos. "A operação fortalece nosso pedido por transparência no uso de recursos público e na democracia das decisões", disse a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada do presidente.
O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), foi na mesma linha. "Eu acho que reforça a tese da importância da transparência. Era melhor ter aberto as contas sem que a Polícia Federal tivesse que ir lá buscar." Antes de reunião ministerial, na manhã desta terça, o ministro da Justiça, Sergio Moro, foi indagado pela Folha, mas não quis comentar a operação. Na semana passada, ele e o diretor-geral da Polícia Federal, Mauricio Valeixo, se reuniram com o presidente em audiência reservada.
A operação desta terça-feira acontece diante de um clima de desconfiança entre aliados de Bivar de que Bolsonaro poderia promover retaliação ao presidente do PSL. Nos últimos dias, desde que o descontentamento de Bolsonaro com o PSL veio à tona, pessoas próximas ao deputado passaram a conjecturar que se repetisse a história de Gustavo Bebianno, ex-presidente da legenda e aliado de primeira ordem do presidente da República durante a campanha.
Em fevereiro, diante do desgaste de relação com Bebianno, Bolsonaro publicou áudios de conversas entre eles. A operação da Polícia Federal da manhã desta terça, embora não seja uma ação do Palácio do Planalto, eleva o clima de desconfiança entre as partes. Em nota, a defesa de Bivar classificou o mandado de busca e apreensão como "fora de contexto".
Em entrevista à Rádio Gaúcha, na manhã desta terça, o ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Admar Gonzaga, consultor jurídico do presidente, disse que a operação vem ocorrendo há muito tempo e que não tem "nenhuma relação" com o processo de saída de Bolsonaro. "Foi uma coincidência, mas a Justiça também está atenta. O Brasil continua trabalhando, cada qual em seu setor, e eles vão ter de responder pelo que fizeram ou provar que não fizeram", disse.
Ele observou, no entanto, que se for provado que a atual direção nacional do partido tem relação com as irregularidades em Pernambuco, o fato será utilizado. Ele ponderou, porém, que a intenção deles é definir o processo de saída de forma célere e que a investigação da Polícia Federal ainda deve ter mais desdobramentos. "Naturalmente, se alguma coisa for desvendada negativamente em face da direção do PSL lá de Pernambuco, a lei será aplicada. Se isso tiver relação com a direção nacional dessa atual gestão, naturalmente também será utilizada", afirmou.
A legislação só permite quatro situações de justa causa para que o parlamentar pode mudar de partido sem perder o mandato: fusão ou incorporação do partido; mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e, no último ano de mandato, sair para disputar eleição.
Hoje, ao menos 20 parlamentares estariam dispostos a seguir o presidente. Nos bastidores, aliados do presidente já aceitam abrir mão do fundo partidário da sigla em troca de uma desfiliação sem a perda do mandato. A previsão é de que o PSL receba R$ 110 milhões do fundo partidário até o fim do ano.
A operação desta terça-feira ganhou o nome de Guinhol, fazendo referência a um marionete, personagem do teatro de fantoches criado no século 19. A polícia apura se as candidatas foram criadas apenas para a movimentação de recursos de forma ilegal. Em fevereiro, o jornal mostrou que o grupo de Bivar criou uma candidata de fachada em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018.
Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos, foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, mais do que o próprio presidente Jair Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann (SP), essa com 1,079 milhão de votos. À época, a Folha de S.Paulo visitou os endereços informados pela gráfica na nota fiscal e na Receita Federal e não encontrou sinais de que ela tenha funcionado nesses locais durante a eleição.
Em outra reportagem, o jornal também revelou que o partido liberou R$ 250 mil de verba pública para a campanha de Érika Santos, uma assessora da legenda, que repassou parte do dinheiro para a mesma gráfica. Ela declarou ter utilizado o restante dos recursos em uma outra empresa, uma gráfica de pequeno porte, a Vidal, de um membro do diretório estadual do PSL. Durante a eleição, Érika assessorava Gustavo Bebianno, presidente interino da legenda, que virou ministro de Bolsonaro. Ele foi demitido em meio à repercussão do caso.
A Vidal foi a empresa que mais recebeu verba pública do partido em Pernambuco nas eleições. Sete candidatos declararam ter gasto R$ 1,23 milhão dos fundos eleitoral e partidário na gráfica Vidal, que nunca havia participado de uma eleição e funciona em uma pequena sala na cidade de Amaraji, interior de Pernambuco.
RAIO-X DO PSL 271.195 filiados (em ago.19)
3 governadores (SC, RO e RR), de um total de 27 estados
53 deputados federais, de 513; 2ª maior bancada, atrás da do PT (54)
3 senadores, de 81; a maior bancada, do MDB, tem 13
R$ 110 mi - repasses do fundo partidário em 2019 (estimativa)
por Gustavo Uribe e Talita Fernandes | Folhapress