Insatisfação das PMs é crescente mesmo em estados com governadores bolsonaristas
Assim que explodiu o motim de policiais militares no Ceará, movimento seguido pelo ferimento a bala do senador Cid Gomes (PDT-CE) quando tentava invadir um quartel com uma retroescavadeira, o presidente Jair Bolsonaro virou logo personagem central do debate.
Ciro Gomes, por exemplo, acusou o presidente de estar diretamente ligado à reação dos PMs amotinados contra seu irmão no quartel da cidade de Sobral. "Quem estava na linha de frente lá era um vereador do Bolsonaro", disse o ex-presidenciável do PDT.
Bolsonaro contestou a fala e chamou de "fim da picada" a tentativa de ligá-lo às agitações de policiais pelo país por melhores salários e planos de carreira.
O fato é que estados governados por aliados ao presidente, eleito para o Planalto com forte apoio de PMs, não estão imunes ao elevado nível de tensionamento nos quartéis brasileiros, que ficou mais visível após o motim no Ceará, que se desenrola nas últimas semanas.
No quintal de governadores alinhados com o bolsonarismo, problemas como déficit salarial, condições precárias de trabalho e não cumprimento de acordos para pagamento de promoções têm minado supostas blindagens ideológicas e deixado os gestores locais em alerta.
Um dos exemplos mais claros ocorre em Santa Catarina. Sob a administração de Carlos Moisés, bombeiro militar e filiado ao PSL (partido pelo qual Bolsonaro se elegeu), há um clima de grande insatisfação na Polícia Militar.
Os militares pedem reposição inflacionária após seis anos sem reajuste e chegaram a interromper totalmente o trânsito em uma rodovia de Florianópolis. O protesto ocorreu em 30 de janeiro, antes do início do motim no Ceará.
Na tarde de quinta-feira (27), 1.500 militares ergueram um cartão vermelho que representava o voto contrário à proposta do governo catarinense. Em assembleia, eles rejeitaram por unanimidade o reajuste de 17,5% pago em quatro etapas, entre março de 2020 e setembro de 2022.
João Carlos Pawlick, presidente da Aprasc (associação de praças de Santa Catarina), afirma que o alinhamento entre o governador e Bolsonaro não afeta o posicionamento da categoria.
O dirigente diz, no entanto, que esperava "reconhecimento e mais valorização", já que Carlos Moisés, por ter carreira de bombeiro militar, "sentiu na pele" as mesmas condições.
Em Rondônia, estado governado pelo coronel da reserva da Polícia Militar Marcos Rocha (também do PSL), existe a perspectiva de uma operação padrão --realização do serviço seguindo os procedimentos operacionais com rigor excessivo-- a partir de abril.
Há uma escalada no nível de tensão. Os policias prometem não sair às ruas, por exemplo, caso a viatura esteja com documento vencido ou o colete à prova de balas esteja fora da validade.
Mesmo tendo "um dos seus" à frente do estado, a categoria diz que tenta discutir reajustes salariais com o governo desde o ano passado, mas não obteve sucesso nem sequer na abertura de uma mesa de negociação.
"Quem vive de promessa é santo. Há mais de um ano que tentamos negociar, mas o governo só vem com balela, papo furado", afirma Jesuíno Boabaid, presidente da Assfapom, associação que representa os praças da polícia e dos bombeiros de Rondônia.
Boabaid, que liderou um motim de policiais no estado em 2011, diz que uma possível paralisação não está descartada pela categoria.
Segundo ele, há um ressentimento de parte da categoria com Bolsonaro, que apoiou a aprovação de benefícios para as Forças Armadas: "Os militares tiveram várias regalias e nós só tivemos prejuízo".
No estado de Roraima, governado por Antonio Denarium, que já anunciou saída do PSL para ingressar na Aliança pelo Brasil, sigla que o presidente quer criar, a cobrança por parte dos policiais militares também existe. A categoria reivindica melhores condições de trabalho e reposição salarial.
José Vicente da Silva Filho, consultor da área de segurança pública que já estudou paralisações históricas da PM em vários estados, diz que os movimentos não guardam relação com o posicionamento político-ideológico dos governadores. Para ele, no fim o que decide o nível de insatisfação nos quartéis é o bolso.
O pesquisador afirma que, nos últimos 20 anos, ocorreram 52 motins da PM no Brasil. "Em todas elas, o que determina o movimento é exatamente como a tropa está sendo tratada. Não importa se o governador é aliado a Bolsonaro ou não", avalia.
Na contramão desse raciocínio, no Paraná a proximidade do governador Ratinho Jr. (PSD) com pautas do governo Bolsonaro tem servido para amenizar o enfrentamento entre policiais e governo.
As associações de praças e oficiais praticamente descartam paralisações da Polícia Militar local.
Para o coronel Carlos Eduardo Rodrigues Assunção, presidente da Associação dos Oficiais Policiais e Bombeiros Militares do Paraná, a questão ideológica está presente na relação com o governo estadual, mas a atenção que o governante dispensa à categoria também tem peso.
"A valorização ou não do profissional é significativa nesse tipo de situação. Aqui vemos certo alinhamento com o governo federal e sentimos certa consideração para com a nossa classe, o que faz com que haja uma disposição", avalia.
Ele relata ainda que, no ano passado, houve uma negociação em relação à data-base do funcionalismo estadual, mas a classe entendeu que o governo fez o que pôde. "Nem sempre as respostas são as ideais, mas estamos acreditando que são as possíveis", diz.
Entre os praças, o discurso é parecido. Há negociações em torno da carga horária e equiparação salarial com profissionais da Polícia Civil, mas, segundo a associação, não há nenhum tipo de movimentação atual contra o governo.
"Já tivemos momentos muito piores. Atualmente, não há clima para explosão de forma abrupta", resume o 2º sargento Orelio Fontana Neto, presidente da Associação de Praças do Paraná.
Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado (DEM) tem criado um nível de proximidade maior com os policiais do que os seus antecessores.
É comum o governador ir a formaturas de PMs e prestigiar eventos da corporação. Logo no início do governo, Caiado extinguiu a figura do soldado de terceira classe, que ganhava R$ 1.500, e efetivou equiparação salarial.
Em parceria com o governo federal, entregou no fim do ano passado 1.400 pistolas 9 milímetros, da marca Sig Sauer, e mais de 316 mil munições aos policiais militares de Goiás. O investimento total na aquisição de 2.600 armas foi de R$ 4,3 milhões.
Mesmo assim, a tropa emite sinais de insatisfação. "Estamos lutando, a partir de 2020, por reposição salarial de dois anos e data-base de cinco anos que não é paga", diz o subtenente Luis Cláudio Coelho, presidente da Assego, associação que representa subtenentes e sargentos. "As questões partidárias pouco nos interessam. Nós não tratamos de alinhamento de governo estadual com governo federal. Queremos saber dos anseios da tropa", afirma.
No Tocantins, o governador Mauro Carlesse (DEM), que adotou neutralidade no segundo turno das eleições presidenciais de 2018 e agora está bastante próximo de Bolsonaro, não negocia diretamente com os policiais militares.
"Há policiais que foram promovidos em abril de 2019, e o estado não consegue pagar as promoções", diz Milton Neto Coutinho Lima, que preside a associação local de subtenentes e sargentos. "A nossa cobrança é grande demais. A bomba a qualquer hora pode estourar. Aqui, o governador não nos recebe."
Em Minas, Romeu Zema (Novo-MG) propôs reajuste de 42% para os policiais, medida que foi alvo de críticas de outras categorias do funcionalismo. O estado vive uma das piores crises fiscais do país e os professores, que ainda não receberam o 13º, estão em greve.
Em Mato Grosso, estado comandado por Mauro Mendes (DEM), os policiais pleiteiam reposição inflacionária, mas não há nenhuma previsão de paralisação ou outras formas de protesto.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB), que se posiciona hoje como adversário político de Bolsonaro, anunciou em outubro um aumento salarial de 5% para as forças de segurança. A proposta ficou muito longe de atender às expectativas dos policiais.
Os estados informaram, de maneira geral, que a precária situação fiscal dificulta a situação e que, na medida do possível, as negociações serão encaminhadas para que as reposições salariais sejam efetivadas. O governo de Rondônia foi procurado, mas não respondeu.
por Folhapress