Sem apresentar prova, empresa diz ter encontrado anticorpo que cura coronavírus
Uma empresa farmacêutica americana afirmou ter encontrado um anticorpo eficiente para neutralizar a infecção pelo novo coronavírus em experimentos realizados em células in vitro em um estudo preliminar.
A companhia Sorrento Therapeutics, no entanto, não explica como o experimento foi feito nem diz que tipo de células foram usadas em laboratório. O texto informa que os resultados da pesquisa serão enviados para publicação em uma revista científica em breve, o que possibilitará que o estudo passe pela revisão de outros cientistas da mesma área.
No comunicado publicado nesta sexta-feira (15), a empresa sediada em San Diego, na Califórnia, diz que o anticorpo chamado STI-1499 teria a capacidade de bloquear o mecanismo que o parasita usa para invadir as células humanas e causar a infecção.
Em entrevista ao canal de notícias americano Fox News, alinhado aos ideiais conservadores do presidente Donald Trump, o diretor da Sorrento Therapeutics disse que o anticorpo representa uma cura para a Covid-19. "Se temos um anticorpo neutralizante no nosso corpo, não precisamos do distanciamento social. Podemos reabrir a sociedade sem medo", afirmou.
Trump, assim como o brasileiro Jair Bolsonaro, é crítico das medidas de quarentena e de seus efeitos na economia.
Mesmo sem comprovar o feito, a Sorrento Therapeutics viu suas ações serem valorizadas no mercado financeiro, que tiveram um pico de crescimento de 240% no valor de suas ações durante o dia.
A Fox News foi um dos primeiros veículos a dar destaque para os estudos preliminares feitos com a hidroxicloroquina, que depois teve o uso endossado pelo presidente americano Donald Trump e defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.
Uma sequência de grandes estudos publicados em revistas científicas de prestígio, porém, vem atestando que o remédio não é eficiente para combater o novo coronavírus.
Segundo a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pesquisadora-associada da Universidade da Califórnia em San Diego, a técnica para desenvolver anticorpos para terapias já é dominada por pesquisadores de diversas instituições.
"Desde o início da pandemia, cerca de uma centena de universidades e empresas começaram a desenvolver esses anticorpos", diz. "O que preocupa nesse caso é a empresa não publicar os resultados", afirma.
Um grupo de cientistas de universidades europeias já havia publicado no dia 4 de maio um artigo que demonstrou a eficiência do uso de um anticorpo para bloquear a infecção pelo novo coronavírus em cultura de células --um estudo preliminar, como a empresa de San Diego diz ter feito.
O artigo está disponível no periódico Nature Communications, revista de acesso gratuito publicada pelo mesmo grupo responsável pela prestigiosa Nature.
Ainda que os resultados da Sorrento se provem reais e promissores, Bonorino lembra que o anticorpo precisa passar por testes em animais e em humanos antes de ser aprovado. "Mesmo que haja alguma flexibilização para a aprovação, ela não vai acontecer sem a comprovação de que o anticorpo funciona e não é tóxico", diz.
Mas de acordo com Bonorino, que estuda anticorpos para tratamento de câncer (técnica conhecida como imunoterapia) e faz parte do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, o uso do dispositivo como medicamento é custoso e não garante proteção duradoura contra o vírus.
"Os anticorpos agem para reforçar a imunidade", explica a cientista. Essas moléculas têm um prazo de validade no nosso corpo, que, dependendo da dose, dura até alguns meses.
Um anticorpo usado contra doença respiratória em crianças, o palivizumabe, tem seu valor na casa dos R$ 4.000 por dose. Anticorpos usados em tratamento de câncer são ainda mais caros, e podem chegar ao preço de R$ 25 mil por mês de uso.
"Anticorpos são caros, e o efeito é passageiro", diz a pesquisadora. "O ideal é que o corpo crie uma memória imunológica, e isso só a vacina faz", conclui.
Procurada pela reportagem, a Sorrento Therapeutics disse que não conseguiria responder às questões do jornal devido ao aumento da demanda de trabalho de sua equipe.
por Everton Lopes Batista | Folhapress